16 de maio de 2008

Facebook x Google, ou porque as redes sociais devem ser abertas

Robert Scoble é um blogueiro bastante conhecido, e também um "chato de plantão", bem intencionado mas mesmo assim... chato. Espaçoso e entusiasmado. Mas volta e meia o lado "bem intencionado" vence e ele aparece com um artigo realmente interessante.

A discussão de hoje é sobre o bloqueio de acesso do FriendConnect pelo Facebook. Nenhum dos dois serviços é popular no Brasil ainda, por isso o bloqueio em si nem é tão relevante, mas a discussão toca em um ponto crucial.

O Facebook é hoje a rede social mais valorizada do mercado. Em outubro de 2007, a empresa foi avaliada em 15 bilhões de dólares. Com a crise esse valor deve ter se reduzido, mas mesmo assim, é a "bola da vez". Há quem aposte que empresas como o Facebook - que operam uma rede social fechada - vão derrubar o Google. O Facebook tem muito mais controle sobre as informações armazenadas dentro de seus sistemas, e por isso pode transformar essas informações em dinheiro com maior eficiência e facilidade. Isso é conseguido ao custo de uma filosofia de "walled garden": uma aplicação fechada que pode ser acessada mas não abre os dados para consulta via Internet.

O contra-ataque do Google não veio via Orkut, como muitos imaginavam, mas com o FriendConnect. Ainda é uma ferramenta fechada, em "preview", mas que promete acabar com a premissa fundamental do Facebook. O FriendConnect permite que você crie redes sociais usando qualquer site da Internet. Basta incluir um pedacinho de código escrito pelo Google, e seu site pode apresentar a sua lista de amigos, para deixar recados, etc., dentro de usa própria página.

A reação do Facebook foi imediata. Fecharam o sistema para impedir o FriendConnect de ligar a rede de amigos do Facebook com a rede do Google.

Mesmo com tanta coisa em jogo (que tal 15 bilhões de dólares), o processo é de uma estupidez fenomenal. O Facebook comete o erro básico de acreditar que os dados que estão no seu sistema lhe pertencem, e que por isso pode fazer com eles o que bem entender. Indo mais fundo, o Facebook comete o erro de pensar de forma monolítica: os dados, a aplicação, a rede social - tudo junto.

As empresas de rede social precisam entender seu papel no processo. Elas são meramente fornecedoras de ferramentas. Os dados que formam as redes sociais residem pertencem aos usuários, e que eles vão usar o sistema que lhes ofereça maior conveniência e liberdade. É impossível prender os usuários em um sistema, dada a própria natureza da Internet.

Se o Facebook entender o processo, vai abrir mão desse controle rigoroso sobre o acesso. Em um primeiro momento o impacto pode até ser negativo. Mas o impacto no futuro será positivo, porque o real valor de qualquer rede está na sua capacidade de conexão (a famosa "Lei de Metcalfe"). Se o Facebook se concentrar em ser a melhor plataforma para que as pessoas se conectem e colaborem, eles só tem a ganhar. Mas se pensarem que serão os únicos, estarão fadados ao fracasso. E outras empresas - como o Google, que entende a Internet como ninguém - serão as vencedoras.

7 de maio de 2008

O IP morreu, longa vida ao IP!

Assim como o rei da fábula, o IPv4 um dia vai "morrer" para ser substituído por outro IP. O herdeiro da Internet é o IPv6, protocolo que já conta com 14 anos de vida, mas ainda é muito pouco utilizado. É como se o rei já estivesse idoso, e até um pouco doente, mas se recusasse a passar o trono para o príncipe. Mas o fato é que o IPv4 tem limites. Os endereços disponíveis eventualmente vão se esgotar em breve - no começo de 2011, segundo previsões recentes. E aí a Internet vai parar de crescer. Será?

Se pensarmos na Internet como ela é hoje, a migração para IPv6 é inevitável. Mas a Internet evoluiu muito desde o anúncio do IPv6 em 1994. Os circuitos operam em dezenas de Gigabits por segundo. A capacidade de processamento dos roteadores aumentou imensamente. Com isso, funcionalidades que antes eram inimagináveis hoje são possíveis. E essa pode ser a salvação da Internet, e também o fim da rede como a conhecemos hoje.

Nos últimos quinze anos, a Internet se transformou de uma rede "orientada a pacotes" em uma rede "orientada a conteúdo". Detalhes como endereços IP são cada vez mais distantes do usuário comum. Em seu lugar, outro identificador ganhou importância: as URLs, também conhecidas como "endereços da Web". Hoje, cada URL é traduzida para um endereço IP específico. Isso ainda é necessário porque os roteadores trabalham com IPv4 e precisam de endereços únicos para encontrar o destinatário.

Na nova Internet, as URLs vão ganhar mais importância. Cada documento pode ser identificado por uma URL única, sem restrição de numeração. E nada impede que os roteadores processem as URLs diretamente, tratando o conteúdo ao invés dos endereços IP. Os elementos para construir essa nova rede já existem. São "proxies", aceleradores de conteúdo, e outros tipos de elemento que tratam os objetos da Web diretamente. Um exemplo está nas "redes de distribuição de conteúdo", como o Akamai. A arquitetura interna do Google trabalha fortemente com o conceito de replicação de objetos. E as ferramentas de compartilhamento de arquivos "peer to peer" foram concebidas para operar exatamente dessa forma.

Uma consequência dessa evolução é que o protocolo da rede passa a ser irrelevante. Hoje a Internet ainda depende de um endereçamento global consistente. Mas em uma rede de conteúdo, nada impede que uma parte da rede seja IPv4 e outra seja IPv6. Nada impede que várias redes IPv4, com endereços duplicados, se comuniquem entre si através de um "gateway de conteúdo". O que interessa é a URL, que identifica o conteúdo desejado, seja única.

A proposta pode parecer descabida, mas acredito que ela se aproxima mais da dinâmica do mercado do que uma eventual migração em massa para o IPv6 jamais seria. Aliás, diga-se de passagem, muita gente vai migrar para o IPv6. E assim como o bug do milênio, muita gente vai ficar sem entender depois se todo o barulho (e todo investimento) foi justificado. Enquanto isso, alheio a tudo isso, novas aplicações Web vão continuar a crescer, criando uma nova "Internet de camada 7". É uma boa aposta, que vale a pena pagar para ver.

5 de maio de 2008

992 dias para a Internet acabar

Tenho evitado postar sobre assuntos muito técnicos nesse blog. O objetivo é trazer assuntos para discussão mais ampla. Porém, apesar de técnico, o tema de hoje com certeza vai despertar o interesse de todos.

A Internet como a conhecemos hoje usa um protocolo chamado IPv4, que permite no máximo algo em torno de 4 bilhões de endereços. Restrições práticas reduzem esse número para algo entre 3 bilhões e 3 bilhões e meio de endereços. Muita coisa, porém, mesmo assim, limitado. Cada usuário online precisa ter seu próprio IP para participar da rede. Com o crescimento da Internet, especialmente em países populosos como Brasil, China e Índia, o espaço de endereçamento está acabando. A projeção de hoje (5 de maio de 2008) é que os endereços IP disponíveis acabarão em 992 dias.

Não é a primeira vez que isso acontece. Nos idos de 1994, o "fim da Internet" foi anunciado e temido por muitos. Várias soluções foram criadas, incluindo as reservas de endereços privativos para uso empresarial e a tecnologia de tradução de endereços (NAT). O controle sobre a alocação de IPs também foi reforçado, delegando blocos menores para cada provedor, e sempre de acordo com a necessidade real de uso. Mas essas medidas não resolvem o problema, apenas adiam o inevitável.

Qual seria a melhor solução então? Já naquela época, foram propostas soluções para aumentar a quantidade de endereços disponíveis na Internet. A proposta vencedora é o que chamamos hoje de IPv6. A quantidade de endereços é absurdamente grande. Porém, o IPv6 também é muito diferente do IPv4. Os dois podem operar conjuntamente, mas mesmo assim, a transição de um para o outro não é fácil. Isso explica porque depois de tanto tempo ainda existe tanta resistência em adotar o novo protocolo. Aa situação atual tem tudo para se transformar em um novo "bug do ano 2000", só que dessa vez, muito mais sério. Praticamente toda infraestrutura da Internet tem que ser modificada para usar IPv6. São "muitos bilhões" de dólares em equipamentos, roteadores, ajustes em PCs, engenharia de rede, etc.

Se o problema é tão sério, porque ninguém se mexe? Primeiro, porque fica todo mundo esperando quem vai se mexer primeiro. Afinal, ninguém tem muita experiência com IPv6 e ninguém quer ser cobaia. Segundo, porque acho que todo mundo ainda espera outra solução como a de 1994. Novas tecnologias e mecanismos de controle que dêem uma sobrevida ao IPv4. Eu pessoalmente acho que o caminho será por aí. Afinal, migrar de protocolo vai ser praticamente como recriar a Internet, a um preço simplesmente incalculável. Mas isso é assunto para o próximo post.

p.s. A bem da verdade, o IPv6 se propunha a resolver outros problemas do IpV4, mas de longe o mais importante é o espaço de endereçamento.