5 de novembro de 2008

Abaixo a ditadura do email

Melhor começar com uma admissão: sou um maníaco por email. Tenho email desde 1992. Até hoje, tive umas cinco ou seis contas apenas, para uso profissional e pessoal. No campo particular, levei a sério a proposta do GMail - "search, don't file", "never delete another email". Tenho vários anos de comunicação arquivadas. Mas hoje vejo que a dependência excessiva do email é cada vez mais um problema, especialmente no uso profissional. E talvez por ser um fã confesso do email, meu manifesto possa ser levado mais a sério.

Antes da Web, o email foi o primeiro "killer app" da Internet. Mesmo nos dias de hoje, com Web 2.0, o email ainda é extremamente importante. O endereço de email é a forma mais reconhecida de identidade digital - e isso tende a se manter com o uso do OpenID. O email é o fax do século XXI. Não há negócio que sobreviva hoje em dia sem comunicação eletrônica, e para isso o email é essencial.

A questão é que o email se tornou tão central para o trabalho que se transformou em um problema. As pessoas enviam emails redundantes, de uma linha, para dizer algo que poderia ser dito pessoalmente ou por telefone - ou pior ainda, para dizer algo que nem precisava ser dito. As cópias também são um problema. Copie pessoas demais, e será tachado de "spammer". Copie pessoas de menos, e será acusado de centralizar processos e de não se comunicar bem. Outro componente é a ansiedade do email - o hábito de ficar olhando o email minuto a minuto, esperando ansiosamente que o próximo email apareça para ser respondido. No final, ficamos escravos do email, sob uma legítima ditadura.

Existem diversas razões para isso. Primeiro, o caráter passivo do leitor de email, acostumado a digerir o "inbox" da forma como ele se apresenta. Segundo, o fato de que o email encoraja o tratamento da informação como algo pessoal (ligado ao nome do destinatário) e não como algo "processual" ou "sistêmico", de propriedade da empresa. Esse procedimento cria ilhas de informação que não circula adequadamente. Aliás, a quantidade de conhecimento que a empresa perde quando deleta a caixa de email de um funcionário demitido é absurda. E finalmente, temos o fato de que o email mistura vários conceitos em uma panela só. É uma ferramenta de arquivamento de conteúdo, notificação, workflow, e organização de informação, entre outras coisas - e isso tudo sem que seja a melhor solução para qualquer uma dessas coisas.

A crise hoje é evidente. Empresas como a Intel estão experimentando um dia sem email. O blogueiro Roberto Scoble fala de uma "crise do email empresarial", que ele percebeu quase que por acaso em uma palestra na Cisco (que ironicamente acaba de adquirir uma empresa de software de email).

A solução para a "crise do email" é radical. É preciso abolir o email como o conhecemos. Em seu lugar, ferramentas colaborativas permitiriam o tratamento adequado da informação, distibuindo-a dentro de processos bem mapeados, garantindo acesso sem causar sobrecarga. O papel do email seria revisto. Ao invés de ser a central de geração, notificação, consumo, arquivamento e roteamento de informação, o email passaria a ser apenas um dos canais através dos quais os sistemas se comunicariam, especialmente entre empresas. Isso tudo é possível. A tecnologia já existe através da Web 2.0. Falta o mais difícil, que é quebrar hábitos existentes e criar novos - mas isso também pode ser feito com calma, criatividade e determinação.

Quer ajudar? Pense em como seria sua empresa se o email não existisse. Talvez as coisas possam ser muito melhores do que são hoje.

7 de setembro de 2008

Alfabetização visual

Discutindo o surgimento da geração vídeo e importância da educação digital, surge uma dúvida: a educação formal teria algo a contribuir na preparação das novas gerações para uma comunicação cada vez mais visual e interativa?

Quem é pai ou convive com crianças e adolescentes hoje em dia sabe que essa geração utiliza os recursos de comunicação digital de uma forma totalmente diferente da nossa. Isso é totalmente natural, e não é muito diferente da relação que pessoas da minha geração (na casa dos 40 "baixos") criaram com o telefone, com a televisão e com o videocassete (na época, o ícone da "tecnologia que invadia as casas"). Cada geração abraça a tecnologia de sua época e a utiliza melhor do que as gerações anteriores.

Qual seria o papel da educação formal nesse momento? De fato, somos construídos para operar num mundo visual e interativo, o que nos torna mais ou menos preparados para operar num ambiente multimídia. Porém, daí para conseguir se expressar bem, vai uma grande distância, e é aí que a educação formal pode contribuir, direta e indiretamente. Nas palavras de Garr Reynolds, ex gerente mundial de relacionamento com usuários da Apple, isso é visível pela qualidade das apresentações feitas em Powerpoint:

"Obviously reading and writing, etc. are very important. No one is saying we need less of that. The problem is the visualization capabilities that are naturally within us never get fully developed in most of us. I wonder if this is part of the reason why most presenters fall into the old and excruciating bullet-point trap."

Desenvolver plenamente a habilidade de comunicação requer mais do que nossa capacidade inata. Existem técnicas efetivas e "melhores práticas". Também existem armadilhas conhecidas que devem ser evitadas. A escola pode ajudar diretamente (com aulas específicas), e também indiretamente, ao estimular o uso dos recursos audiovisuais dentro do ambiente pedagógico. Ao invés de uma redação sobre as férias, um filme de 5 minutos, colando fotos e narração. Ao invés de um cartaz para a feira de ciências, uma apresentação interativa no website. É a melhor forma de preparar essa nova geração para um mundo onde a capacidade de comunicação visual pode ser fundamental para o sucesso profissional.

25 de agosto de 2008

Rumo à Geração Vídeo

Filosofando sobre o post do Eduardo Rabboni sobre educação digital, fica cada vez mais evidente a necessidade de se pensar em uma educação mais adequada para a realidade que se apresenta para as crianças e adolescentes de hoje. Alguns itens são fundamentais, como aprender a proteger a identidade digital, pesquisar na Internet para fazer trabalhos, ou lidar com a sobrecarga de informação. Também se torna cada vez mais importante saber identificar ameaças e conteúdos perigosos, como vírus e coisas do tipo.

Mas não é só no comportamento online que a escola precisa ser atualizada. A educação tradicional ainda é fortemente baseada na linguagem escrita. Existem inúmeras razões para isso, até mesmo de ordem prática. A escrita se firmou como a forma mais fácil e precisa de registrar idéias. O alfabeto partiu dos hieroglifos e evoluiu no sentido da simplicidade. As características da linguagem escrita (e especialmente do alfabeto ocidental) permitiram o surgimento de tecnologias como a imprensa, que baratearam a difusão de conhecimento.

A mudança vem a reboque da tecnologia. Pela primeira vez na história, a expressão de idéias em forma gráfica e visual se torna possível em larga escala. Recursos como câmeras fotográficas digitais, câmeras de vídeo, Photoshop, Flicker, e tantos outros, tornam a edição de imagens e vídeos acessível para qualquer pessoa. O resultado é a explosão de serviços como o YouTube e o próprio Flicker. Mas essa mesma tecnologia também serve para salientar o crescimento de um "gap" entre aqueles que realmente sabem trabalhar com essas ferramentas e o restante das pessoas.

Somos muito influenciados pelas imagens. Para ler um livro, uma pessoa precisa ser minimamente alfabetizada; por outro lado qualquer pessoa pode observar uma foto ou assistir um filme e entender do que se trata, de forma muito mais natural. Mas poucas pessoas sabem se expressar realmente bem nesses meios. Escrever bem já é complicado (que o diga a qualidade do português de nossos universitários), mas produzir e editar um vídeo requer muito mais do que conhecimentos linguísticos; requer senso estético, domínio da dinâmica do tempo, e conhecimento das nuances psicológicas transmitidas por cada imagem.

A evolução da comunicação por meio de vídeo tem tudo para criar uma divisão no mercado de trabalho entre as pessoas que sabem trabalhar e produzir material nesse formato e o restante das pessoas. Candidatos que consigam pensar e trabalhar em termos de imagens conseguirão melhores resultados. Também serão mais eficientes (e eficazes) na sua comunicação, e terão melhores oportunidades de trabalho. Hoje nossas escolas estão despreparadas para esse futuro, e não existe ainda nenhum movimento nesse sentido. Ainda estamos transpondo o abismo anterior, da inclusão digital. Mas o abismo da expressão digital e da interatividade continua crescendo. Da forma como vamos, gostando ou não disso, caberá aos pais cuidar para que seus filhos consigam ter uma educação adequada, desenvolvendo a compreensão desse novo mundo, de forma que possam estar melhor preparados para o seu próprio futuro.

21 de agosto de 2008

Só para convidados

O telefone foi uma das maiores revoluções da história da humanidade. Além de encurtar distâncias, o telefone é democrático: qualquer telefone fala com qualquer outro, basta saber o número. É essa liberdade que garante que você possa consultar o catálogo para agendar um médico a qualquer hora do dia, ligue para telefones anunciados nos classificados dos jornais, ou fale com alguém com quem nunca falou antes para se apresentar, fazer negócios, ou simplesmente conversar.

A revolução da telefonia IP ameaça o fim desse "sonho democrático". A única coisa que impede que o seu telefone seja bombardeado por chamadas de telemarketing é o preço da chamada. Se a telefonia for gratuita (ou muito barata), vamos descobrir que os "spammers" de voz podem ser muito piores do que os "spammers" de correio.

Hoje, "grosso modo", o telefone fica disponível 100% do tempo (exceto quando está ocupado, mas isso não vem ao caso). O identificador de chamada do celular já permite um certo nível de controle, porém ainda é impreciso e totalmente manual. Novas tecnologias permitirão que os usuários controlem com mais rigor sua disponibilidade, automatizando a filtragem das chamadas. Assim, é possível que nesse novo mundo os telefones deixem de ser democráticos e passem a ser "só para convidados". De forma similar ao que acontece com o MSN, você só receberá chamadas das pessoas que tiver autorizado previamente.

É discutível se esse novo mundo será melhor do que o mundo de hoje. Usando uma expressão "gringa", joga-se fora o bebê junto com a água da banheira. Vamos ganhar conforto e controle. Vamos perder diversidade, e a chance de estabelecer novos contatos. Podemos nos fechar em ilhas, e perder oportunidades que teríamos ... "se tivéssemos atendido aquela ligação".

18 de agosto de 2008

O crescimento da "blogosfera brasileira"

Comecei com esse blog alguns anos atrás para experimentar com o formato. Queria fazer um blog em português, onde pudesse falar um pouco de tudo: tecnologia, negócios, e um pouco do lado pessoal. A idéia foi muito influenciada pela experiência de ler os principais "blogs" americanos. Lá fora, jornalistas e executivos de grande experiência produzem blogs com um conteúdo altamente valioso. Mas conversando sobre blogs no Brasil (e especialmente blogs corporativos), a primeira reação é de descrença. Surgem várias perguntas:

- Será que esse tipo de coisa pega no Brasil?
- O que é que eu ganho produzindo informação "de graça"?
- Será que não é perigoso abrir informações da empresa assim no mercado?
- Será que isso tudo não é modismo e perda de tempo?

Por muito tempo, a carência de bons blogs brasileiros parecia comprovar as alegações dos "conservadores de plantão": o brasileiro não gosta de ler (e muito menos de escrever), isso é só um modismo, etc. Mas aos poucos as coisas mudam. Um exemplo são os podcasts - a CBN, por exemplo, disponibiliza podcasts diários de seus comentaristas. A organização ainda não é a ideal - deveria ter um canal RSS para cada comentarista, o que facilitaria para seguir somente o conteúdo desejado - mas já é um progresso.

Outro exemplo alentador é o blog do Jucelino Sousa, presidente da AleSat Distribuidora de Combustíveis. O blog é atualizado quase diariamente, e como um bom blog, cobre um pouco de cada coisa da rotina diária do executivo: família, futebol, olimpíadas... além é claro de posts excelentes com análise do mercado brasileiro de distribuidoras de combustíveis, e curiosidades sobre o setor.

Não sei quantos outros executivos brasileiros conseguiriam fazer o que o Jucelino faz. Vendo o perfil dele (no próprio site), vemos que é um executivo novo (42 anos), com sólida formação acadêmica como engenheiro químico e uma carreira cheia de realizações. Talvez essa combinação de idade, conhecimento técnico e empreendorismo o torne um pouco mais propenso a experimentar com o formato. Mas pode ser também um pequeno "sinal dos tempos" e da própria maturidade da blogosfera brasileira.

Esse tipo de postura vem sendo adotada aos poucos por grandes executivos e líderes mundiais. Hoje em dia pode parecer irrelevante, mas por trás disso existe uma postura mais aberta, focando na comunicação e com a colaboração. Vários especialistas acreditam que essa postura trará grandes ganhos para as empresas que as adotam a longo prazo, à medida que o mercado amadurecer. Se uma empresa de um setor tão tradicional como a ALE consegue fazer isso, talvez seja sinal de que a mudança esteja mais próxima do que imaginamos.

16 de maio de 2008

Facebook x Google, ou porque as redes sociais devem ser abertas

Robert Scoble é um blogueiro bastante conhecido, e também um "chato de plantão", bem intencionado mas mesmo assim... chato. Espaçoso e entusiasmado. Mas volta e meia o lado "bem intencionado" vence e ele aparece com um artigo realmente interessante.

A discussão de hoje é sobre o bloqueio de acesso do FriendConnect pelo Facebook. Nenhum dos dois serviços é popular no Brasil ainda, por isso o bloqueio em si nem é tão relevante, mas a discussão toca em um ponto crucial.

O Facebook é hoje a rede social mais valorizada do mercado. Em outubro de 2007, a empresa foi avaliada em 15 bilhões de dólares. Com a crise esse valor deve ter se reduzido, mas mesmo assim, é a "bola da vez". Há quem aposte que empresas como o Facebook - que operam uma rede social fechada - vão derrubar o Google. O Facebook tem muito mais controle sobre as informações armazenadas dentro de seus sistemas, e por isso pode transformar essas informações em dinheiro com maior eficiência e facilidade. Isso é conseguido ao custo de uma filosofia de "walled garden": uma aplicação fechada que pode ser acessada mas não abre os dados para consulta via Internet.

O contra-ataque do Google não veio via Orkut, como muitos imaginavam, mas com o FriendConnect. Ainda é uma ferramenta fechada, em "preview", mas que promete acabar com a premissa fundamental do Facebook. O FriendConnect permite que você crie redes sociais usando qualquer site da Internet. Basta incluir um pedacinho de código escrito pelo Google, e seu site pode apresentar a sua lista de amigos, para deixar recados, etc., dentro de usa própria página.

A reação do Facebook foi imediata. Fecharam o sistema para impedir o FriendConnect de ligar a rede de amigos do Facebook com a rede do Google.

Mesmo com tanta coisa em jogo (que tal 15 bilhões de dólares), o processo é de uma estupidez fenomenal. O Facebook comete o erro básico de acreditar que os dados que estão no seu sistema lhe pertencem, e que por isso pode fazer com eles o que bem entender. Indo mais fundo, o Facebook comete o erro de pensar de forma monolítica: os dados, a aplicação, a rede social - tudo junto.

As empresas de rede social precisam entender seu papel no processo. Elas são meramente fornecedoras de ferramentas. Os dados que formam as redes sociais residem pertencem aos usuários, e que eles vão usar o sistema que lhes ofereça maior conveniência e liberdade. É impossível prender os usuários em um sistema, dada a própria natureza da Internet.

Se o Facebook entender o processo, vai abrir mão desse controle rigoroso sobre o acesso. Em um primeiro momento o impacto pode até ser negativo. Mas o impacto no futuro será positivo, porque o real valor de qualquer rede está na sua capacidade de conexão (a famosa "Lei de Metcalfe"). Se o Facebook se concentrar em ser a melhor plataforma para que as pessoas se conectem e colaborem, eles só tem a ganhar. Mas se pensarem que serão os únicos, estarão fadados ao fracasso. E outras empresas - como o Google, que entende a Internet como ninguém - serão as vencedoras.

7 de maio de 2008

O IP morreu, longa vida ao IP!

Assim como o rei da fábula, o IPv4 um dia vai "morrer" para ser substituído por outro IP. O herdeiro da Internet é o IPv6, protocolo que já conta com 14 anos de vida, mas ainda é muito pouco utilizado. É como se o rei já estivesse idoso, e até um pouco doente, mas se recusasse a passar o trono para o príncipe. Mas o fato é que o IPv4 tem limites. Os endereços disponíveis eventualmente vão se esgotar em breve - no começo de 2011, segundo previsões recentes. E aí a Internet vai parar de crescer. Será?

Se pensarmos na Internet como ela é hoje, a migração para IPv6 é inevitável. Mas a Internet evoluiu muito desde o anúncio do IPv6 em 1994. Os circuitos operam em dezenas de Gigabits por segundo. A capacidade de processamento dos roteadores aumentou imensamente. Com isso, funcionalidades que antes eram inimagináveis hoje são possíveis. E essa pode ser a salvação da Internet, e também o fim da rede como a conhecemos hoje.

Nos últimos quinze anos, a Internet se transformou de uma rede "orientada a pacotes" em uma rede "orientada a conteúdo". Detalhes como endereços IP são cada vez mais distantes do usuário comum. Em seu lugar, outro identificador ganhou importância: as URLs, também conhecidas como "endereços da Web". Hoje, cada URL é traduzida para um endereço IP específico. Isso ainda é necessário porque os roteadores trabalham com IPv4 e precisam de endereços únicos para encontrar o destinatário.

Na nova Internet, as URLs vão ganhar mais importância. Cada documento pode ser identificado por uma URL única, sem restrição de numeração. E nada impede que os roteadores processem as URLs diretamente, tratando o conteúdo ao invés dos endereços IP. Os elementos para construir essa nova rede já existem. São "proxies", aceleradores de conteúdo, e outros tipos de elemento que tratam os objetos da Web diretamente. Um exemplo está nas "redes de distribuição de conteúdo", como o Akamai. A arquitetura interna do Google trabalha fortemente com o conceito de replicação de objetos. E as ferramentas de compartilhamento de arquivos "peer to peer" foram concebidas para operar exatamente dessa forma.

Uma consequência dessa evolução é que o protocolo da rede passa a ser irrelevante. Hoje a Internet ainda depende de um endereçamento global consistente. Mas em uma rede de conteúdo, nada impede que uma parte da rede seja IPv4 e outra seja IPv6. Nada impede que várias redes IPv4, com endereços duplicados, se comuniquem entre si através de um "gateway de conteúdo". O que interessa é a URL, que identifica o conteúdo desejado, seja única.

A proposta pode parecer descabida, mas acredito que ela se aproxima mais da dinâmica do mercado do que uma eventual migração em massa para o IPv6 jamais seria. Aliás, diga-se de passagem, muita gente vai migrar para o IPv6. E assim como o bug do milênio, muita gente vai ficar sem entender depois se todo o barulho (e todo investimento) foi justificado. Enquanto isso, alheio a tudo isso, novas aplicações Web vão continuar a crescer, criando uma nova "Internet de camada 7". É uma boa aposta, que vale a pena pagar para ver.

5 de maio de 2008

992 dias para a Internet acabar

Tenho evitado postar sobre assuntos muito técnicos nesse blog. O objetivo é trazer assuntos para discussão mais ampla. Porém, apesar de técnico, o tema de hoje com certeza vai despertar o interesse de todos.

A Internet como a conhecemos hoje usa um protocolo chamado IPv4, que permite no máximo algo em torno de 4 bilhões de endereços. Restrições práticas reduzem esse número para algo entre 3 bilhões e 3 bilhões e meio de endereços. Muita coisa, porém, mesmo assim, limitado. Cada usuário online precisa ter seu próprio IP para participar da rede. Com o crescimento da Internet, especialmente em países populosos como Brasil, China e Índia, o espaço de endereçamento está acabando. A projeção de hoje (5 de maio de 2008) é que os endereços IP disponíveis acabarão em 992 dias.

Não é a primeira vez que isso acontece. Nos idos de 1994, o "fim da Internet" foi anunciado e temido por muitos. Várias soluções foram criadas, incluindo as reservas de endereços privativos para uso empresarial e a tecnologia de tradução de endereços (NAT). O controle sobre a alocação de IPs também foi reforçado, delegando blocos menores para cada provedor, e sempre de acordo com a necessidade real de uso. Mas essas medidas não resolvem o problema, apenas adiam o inevitável.

Qual seria a melhor solução então? Já naquela época, foram propostas soluções para aumentar a quantidade de endereços disponíveis na Internet. A proposta vencedora é o que chamamos hoje de IPv6. A quantidade de endereços é absurdamente grande. Porém, o IPv6 também é muito diferente do IPv4. Os dois podem operar conjuntamente, mas mesmo assim, a transição de um para o outro não é fácil. Isso explica porque depois de tanto tempo ainda existe tanta resistência em adotar o novo protocolo. Aa situação atual tem tudo para se transformar em um novo "bug do ano 2000", só que dessa vez, muito mais sério. Praticamente toda infraestrutura da Internet tem que ser modificada para usar IPv6. São "muitos bilhões" de dólares em equipamentos, roteadores, ajustes em PCs, engenharia de rede, etc.

Se o problema é tão sério, porque ninguém se mexe? Primeiro, porque fica todo mundo esperando quem vai se mexer primeiro. Afinal, ninguém tem muita experiência com IPv6 e ninguém quer ser cobaia. Segundo, porque acho que todo mundo ainda espera outra solução como a de 1994. Novas tecnologias e mecanismos de controle que dêem uma sobrevida ao IPv4. Eu pessoalmente acho que o caminho será por aí. Afinal, migrar de protocolo vai ser praticamente como recriar a Internet, a um preço simplesmente incalculável. Mas isso é assunto para o próximo post.

p.s. A bem da verdade, o IPv6 se propunha a resolver outros problemas do IpV4, mas de longe o mais importante é o espaço de endereçamento.

29 de abril de 2008

Apple, Jobs e a computação à moda antiga

Semana passada, a Apple anunciou a compra de uma empresa de semicondutores. Dizem que é pelo "valor da propriedade intelectual". Mas eu aposto que a razão é outra.

A Apple vem colecionando notícias boas já faz tempo. A retomada começou com o iMac, mas disparou com o iPod, depois o iTunes, e atingiu níveis inimagináveis com o iPhone. O MacAir é outro sonho de consumo. A empresa acaba de bater o seu recorde de market share, teve números fantásticos no último quarter, e é a quarta marca mais valiosa do planeta segundo outra pesquisa.

O que a Apple tem de diferente de outras empresas? A resposta óbvia é Steve Jobs. Então, vamos perguntar de novo: o que o Steve Jobs tem de diferente de outros CEOs?

Ele é visionário e muito carismático. Também é controlador e perfeccionista, o que pode ser bom ou ruim. Mas existe uma outra diferença.

Steve Jobs é um sobrevivente da era primitiva da computação pessoal. Ele veio de um tempo em que hobbistas construiam micros em casa, comprando placas e projetos pelo correio. Eram pessoas que realmente se importavam com o que faziam. As implicações disso são evidentes na paixão com que a Apple projeta e anuncia seus produtos, como se cada detalhe importasse (e importa!).

Naquela época, a construção dos PCs dependia de conhecimento de eletrônica. O sócio fundador de Jobs na Apple, Steve Wozniak, era um engenheiro fenomenal, capaz de conceber soluções de baixo custo para funcionalidades avançadas para a época. E ao longo desse processo de "reconstrução" da Apple, desde o retorno do Jobs à empresa, o papel da eletrônica volta a ser fundamental. Praticamente todos os lançamentos da Apple integram soluções eletrônicas que se não totalmente exclusivas, são inovadoras e eficazes. O iMac, o iPod, o iPhone, e o MacAir são máquinas projetadas com circuitos exclusivos. São essas soluções que permitem à Apple ser melhor do que seus concorrentes.

Em uma era onde as grandes empresas compram seus chips dos mesmos fornecedores para ganhar escala e cortar custos, ninguém se diferencia. Todos os grandes fabricantes - HP, Dell, Lenovo, Acer - utilizam mais ou menos os mesmos componentes. No fim das contas são todos iguais. Menos a Apple. A verticalização estratégica e pontual, aplicada aos elementos críticos de um projeto, dá uma vantagem competitiva à Apple que nenhum outro fabricante tem. E isso é algo que somente alguém como o Steve Jobs - que viveu a era criativa da computação pessoal nos anos 70 - poderia resgatar.

26 de abril de 2008

YouNet (ou quem é você na rede)

Quem é você na rede?

Uma das grandes sacadas do YouTube foi o nome. YouTube - você na tela. Sua tela. Na Internet, você decide o que quer ver. E o que quer mostrar.

Existe uma sobreposição cada vez maior entre a personalidade real e a personalidade online. Ainda é curioso como as pessoas tratam a personalidade online como algo ocasional, descompromissado. Isso é compreensível, devido à imaturidade e aos poucos recursos oferecidos pela primeira geração de redes sociais. Mas o ambiente está se tornando mais rico. À medida que mais e mais pessoas migram partes importantes da sua vida para o ambiente online, o investimento vai aumentando, e torna-se cada vez mais difícil "suicidar" seu alter-ego virtual.

Deletar uma página no Orkut ainda é fácil. Afinal, em muitos casos nem é você que está lá. Mas serviços novos, como o Twitter e especialmente o FriendFeed, tornam isso cada vez mais difícil. Eles se integram na sua rotina, e passam a fazer parte do que você é.

Acredito que a maioria das pessoas ainda vai demorar para perceber o que está acontecendo. Uma boa reputação online demora para ser construída. O personagem virtual não pode ser um simples disfarce para projetar desejos secretos. Ele precisa ser você.

13 de janeiro de 2008

O conflito na gestão de profissionais de TI

Gerir profissionais de TI é complicado. Não é um problema brasileiro, ou uma simples questão de capacidade gerencial. O problema é mundial, e autores brilhantes dedicam boa parte de sua produção para explicar alguns aspectos do problema:

  • Porque é tão complicado contratar pessoas com o perfil adequado?
  • Porque a rotatividade é tão alta?
  • Porque a questão salarial é tão difícil de gerir?
Existem respostas parciais para essas questões. Profissionais de TI tendem a ser lógicos e racionais; muitos tem dificuldade em estabelecer relações pessoais e até mesmo de desenvolver um senso de equipe e uma identificação com a empresa onde trabalham. Existe uma carência de profissionais, que envolve um longo ciclo de formação e não pode ser resolvida a curto prazo. O mercado também está aquecido, pressionando os salários, e estimulando uma concorrência predatória entre as empresas do setor para preencher as vagas em aberto.

São fatos reais, que podem ser tratados pontualmente, mas que não são suficientes para explicar ou resolver o problema. Existe por trás disso tudo uma completa falta de identificação, um conflito entre a liderança gerencial e a equipe técnica. Para simplificar, vamos chamá-los de "gerentes" e "técnicos".

Os "gerentes" representam o emprego tradicional, e geralmente vem de setores como administração, finanças, ou até mesmo a engenharia tradicional. Seguem um código profissional com valores bem estabelecidos, onde as pessoas trabalham em função do negócio da empresa; é o que se espera delas. Os processos são fundamentais. Os horários devem ser cumpridos sem atrasos e as normas, respeitadas. O salário é a remuneração justa pela dedicação profissional. Espera-se em troca que o funcionário respeite o que a empresa faz por ele ao lhe dar um emprego formal. Esse código profissional é indiscutível, pois vem mostrando bons resultados há décadas, em vários setores.

Os "técnicos" cuidam de tarefas altamente especializadas, e dedicam boa parte de seu tempo para o desenvolvimento profissional contínuo. São focados em resolução de problemas e talvez por isso, não se atém a normas e processos. Passam boa parte do tempo imersos em problemas pontuais e projetos específicos. Isso cria uma desconexão crescente com a empresa. Os técnicos passam a acreditar que o trabalho que eles desenvolvem é mais importante do que o trabalho da empresa. Discordam das decisões da empresa, especialmente nas questões que envolvem processos ou análise financeira. Não entendem que não se podem usar somente os critérios técnicos para tomar decisões estratégicas.

Nas grandes empresa, o conflito é minimizado; os salários são mais altos, e o fato de trabalhar em uma empresa reconhecida parece massagear o ego do técnico de uma forma bem eficaz. Mas em empresas pequenas, mesmo com salários compatíveis para o setor, surge um ciclo vicioso de desconfiança. Os técnicos desenvolvem uma desconexão entre a auto-imagem profissional e a percepção da empresa, e se tornam desconfiados e distantes. A desconfiança é mútua - a empresa passa a desconfiar de todos os técnicos, como se eles nunca pudessem se dedicar à empresa da mesma forma que os funcionários "tradicionais" se dedicam. E o ciclo se perpetua.

Como quebrar esse ciclo vicioso? Uma possibilidade é recrutar técnicos que se integrem melhor à empresa; que "vistam a camisa"; que respeitem normas e processos; que compreendam a importância da hierarquia e do clima interno. Isso exige um processo de seleção rigoroso, buscando técnicos com a maturidade necessária, além de um grande investimento no desenvolvimento da equipe existente. É uma atitude necessária, mas que até agora tem dado poucos frutos, especialmente devido à carência de pessoal - os melhores candidatos certamente já estão muito bem empregados.

Outra possibilidade passa pelo reconhecimento de que os técnicos são diferentes dos funcionários tradicionais. Suas motivações e valores são diferentes. O desafio é administrar, dentro de uma única estrutura, pessoas com perfil tão diferenciado, sem colocar em cheque os processos da gestão tradicional, que são necessários para a saúde da empresa. Mais do que isso, significa que a gerência tem que admitir exceções, algo raramente aceito em de um mundo de normas e procedimentos. É um desafio e tanto.