25 de setembro de 2007

Web 2.0, o brasileiro e o anonimato

Algumas conexões são curiosas.

Semana passada, recebi dois comentários aqui no blog a respeito da concentração do mercado de TI no Brasil. Ambos postaram como anônimos, comentando sobre o processo de centralização da Oi no RJ. Tirando de lado os comentários em si, que são importantes, acho curioso que as pessoas se preocupem tanto com o seu anonimato na hora de postar uma opinião. É um comportamento tipicamente brasileiro.

Há um mês atrás, estive em um evento excelente do Gartner em SP. Um dos temas (entre muitos) foi a colaboração e a Web 2.0 como ferramenta de negócios. Conversei com o palestrante (Waldir Arevolo, um dos poucos brasileiros que trabalha como analista do Gartner) e perguntei a ele porque o brasileiro colabora tão pouco quando ferramentas como blogs e Wikis são usadas no ambiente de trabalho. Acho que a pergunta o pegou de surpresa. Ele sugeriu algumas estratégias interessantes para encorajar as pessoas a participarem. Porém, a pergunta ficou no ar.

O brasileiro tem uma cultura curiosa. Ele adora aparecer, quando o assunto é inofensivo. Basta ver a forma como adotamos o MSN para conversar trivialidades. Por outro lado, o brasileiro detesta assumir posições políticas em público. No Orkut, criamos personalidades de fachada para escrever o que dá na cabeça, e para entrar nas comunidades que nos interessam. Pode ser medo de se comprometer, ou pode ser um resquício de uma cultura de perseguição cultivada em uma história política conturbada. Pode ser por um motivo ainda mais simples - pouca gente sabe escrever no Brasil. Ou pode ser porque as pessoas que escrevem sério são tachadas como chatas, e todo mundo quer ser popular.

No Brasil, é popular escrever errado. É popular contar piadas. Mas não é popular emitir qualquer opinião por escrito, contra ou a favor, mesmo que seja para falar mal do governo. Esse é o domínio dos colunistas e dos jornalistas. No Brasil, é popular aplaudir, ou até ironizar. Mas não é popular polemizar.

Em uma reunião recente discutindo estratégias de marketing, falamos sobre uso de ferramentas Web 2.0 no mercado corporativo. A primeira preocupação foi com o alinhamento do discurso, e definir quem pode escrever em nome da empresa. É mais uma preocupação em que nós brasileiros somos mais conservadores do que nossos primos do norte. Obviamente que devem haver regras e limites, em nome da imagem corporativa. Mas será que é necessário tanto cuidado? Será que temos tanto a perder assim? Será que não nos levamos excessivamente a sério?

Como quebrar essa cultura? Como encorajar as pessoas a participarem mais de um processo de debate aberto? Talvez as novas gerações, que já nasceram sob o signo da Web 2.0, possam usar melhor essas ferramentas maravilhosas. Mas sinto que muita coisa nesse país poderia melhorar se as pessoas deixassem um pouco mais o seu anonimato e assumissem publicamente suas opiniões. Temos muito mais a ganhar do que temos a perder. Esse é o ponto.

16 de setembro de 2007

Interação social e tecnologia: ThePalace, Second Life e Facebook

Respondi hoje a um post no blog do Eduardo Rabboni, falando sobre o Second Life no Brasil. Achei que a resposta merecia considerações mais extensas aqui nos Rascunhos Rotos. Antes de mais nada, que fique clara uma coisa: acho que o "fenômeno" Second Life é uma bolha passageira, e como praticamente tudo na Internet, vai dar lugar a algo melhor. O ambiente não é propício para uma evolução gradual, o que o torna um candidato à longa lista de sucessos do passado.
Em 1994/1995, eu tinha um pequeno provedor Internet em BH. Chat era com IRC - não existia MSN e nem mesmo ICQ (só surgiu em 1996). Na época, surgiu o The Palace. Não era um programa qualquer, era um experimento financiado pela Time Warner. Era um chat gráfico em 2D com múltiplas salas em um ambiente virtual. O usuário navegava pelas salas usando seu avatar (está achando o termo familiar?). Para os padrões de 2007 o visual era rudimentar, mas servia para que o o usuário se expressasse. O texto aparecia na forma de balões [1]:

O Palace fez sucesso na época mas não decolou. A tecnologia não estava madura; não existia banda larga, o acesso era discado. Os PCs da época não tinham CPU suficiente para oferecer gráficos de alta qualidade.

Hoje, 13 anos depois vemos o Second Life, oferecendo um ambiente virtual interativo. A tecnologia agora é melhor, mas será que é o suficiente?

Acredito que não. Acho que a maioria das pessoas se sente tentada a imaginar o futuro em uma interface visual como a do Second Life, um mundo virtual onde se pode interagir com as pessoas através de um personagem. Mas acho que na prática, esse tipo de interface ainda precisa evoluir muito para ser prática e confortável.

Enquanto isso, a grande aplicação do momento na Internet não é o Second Life, mas sim o Facebook. O Facebook é mais do que "um Orkut que deu certo" (nota: o Orkut é tido como um fracasso retumbante nos EUA). O Facebook é uma plataforma extensível, que facilita o processo de publicação e consumo de informação de várias formas, dentro das redes sociais. Ele não tenta imitar o mundo físico como o Second Life, mas imita a forma como nós, seres humanos, lidamos com nossas relações pessoais. E esse é o ponto mais importante.

Nós, seres humanos, somos consumidores e produtores ávidos de informação. Nosso cérebro evoluiu para sobreviver em um mundo onde o relacionamento humano é fundamental. Sabemos, de forma inata, como ler linguagem corporal, como determinar sentimentos e emoções atrás de qualquer tipo de comunicação. Ferramentas como o Facebook são bem sucedidas porque integram e alimentam a nossa rede de relacionamento social. Já o Second Life imita outro aspecto da vida - a experiência física - que nem de perto é tão importante quanto a rede de relacionamento de cada um de nós. Por isso acho que serviços como o Facebook apontam para o futuro de forma mais precisa do que o Second Life. Em outras palavras, a realidade mental - social e psicológica - é mais importante do que a realidade física. Afinal, é ela que nos faz humanos.


[1] imagem retirada do artigo Etnografia em ambientes de sociabilidade virtual multimídia. - Mário Guimarães Jr., 1998

9 de setembro de 2007

A era de ouro da Web está só começando

Meados dos anos 90. A Internet começa a se abrir ao acesso comercial. O email é o "killer app" da rede. No CERN, Tim Berners Lee introduz a World Wide Web. Em poucos anos, a Web supera o email e transforma a Internet em um fenômeno mundial.

2007. A "Web 2.0" é um grande avanço frente à Web dos anos 90. O surgimento de interfaces ricas, usando tecnologias como Ajax, é só o começo. Aplicações sociais disparam em popularidade. Orkut, LinkedIn, Facebook, MySpace...

Até onde a Web vai nos levar?

Em 2003, em plena crise do estouro da bolha, muitos comparavam a Internet com a corrida do ouro: quem chegou primeiro ficou rico, quem chegou tarde perdeu tudo. Nessa época, Jeff Bezos (da Amazon) observou que a Internet era mais do que isso, e que a fase da inovação estava só começando. Na corrida do ouro, a hora que a mina se esgota, não sobra nada para quem vem depois. A Internet não é assim. A infraestrutura que foi criada no auge da bolha continuava lá, disponível, para que outros criem coisas novas.

Bezos comparou a atual fase da Internet com outro estouro tecnológico: o surgimento dos primeiros aparelhos elétricos domésticos. Aproveitando a fiação que havia sido feita para a iluminação, empresas começaram a criar novos produtos para ajudar nos afazeres da casa. Assim surgiram coisas como a torradeira, o aspirador de pó e a máquina de secar sapatos. Nem todos foram bem sucedidos. Muita gente quebrou, mas outros acertaram a mão com produtos inovadores, que hoje fazem parte do nosso dia a dia.

Há um ponto em comum entre a Web e os primeiros aparelhos elétricos: ambos são (ou eram) rudimentares. Os primeiros aparelhos não tinham tomada, e eram ligados no lugar do bulbo da lâmpada (afinal, as tomadas não existiam nessa época). Não existia chave liga-desliga - para desligar tinha que ir no bulbo e desrosquear. Obviamente, muita gente se acidentava.

Por mais que a gente se entusiasme com a tecnologia, a Web ainda é assim, rudimentar. Falta muito para que ela se torne parte do nosso dia a dia como as torradeiras ou máquinas de lavar roupa. Enquanto isso, muita gente inova, e muita gente experimenta, com pequenos acidentes aqui ou ali. Mas é assim que se faz o progresso.

7 de setembro de 2007

Esbarrões: Palm, HDs, Windows Vista, Google, Apple, contratação de pessoas.

Ao longo da semana, esbarrei em um bocado de coisa e achei melhor blogar tudo de uma vez.

Esbarrei na Palm Computing duas vezes essa semana. A primeira, quando escrevi um comentário sobre a história da Palm. Agora, a notícia de que o futuro da Palm não parece promissor. Algumas empresas tem o toque de Midas - tudo que elas fazem dá certo. A Palm já foi líder incontestável de mercado. Com erros de marketing, de desenvolvimento de produto, falta de um ecosistema de parceiros, a morte lenta parece ser inevitável.

Vi notícias sobre HDs mistos (com disco rígido e memória Flash) (via Scoble e Dvorak). São mais rápidos que os HDs convencionais - dá pra carregar o OS sem precisar girar os discos. A Microsoft tinha prometido suporte a esses novos HDs no Vista mas não cumpriu o prometido...

Falando em Windows Vista, as notícias são desencontradas. A Microsoft comemora publicamente vendas recordes. Porém, o mercado não tem reagido bem. Fabricantes desancam a empresa publicamente. A Dell passou a dar opção pelo Linux, a Acer reclama que o Vista não estimula as pessoas a comprar um PC novo. Se por um lado a Microsoft deu um salto de qualidade em termos de estabilidade e de segurança, parece que deixa a desejar no básico, que é o produto.

Outro encontrão foi com a Apple, que teve uma semana cheia. De um lado, produtos novos (iPod Touch), e a redução de preços do iPhone. De outro a reclamação dos usuários contra a plataforma fechada, e o choque de quem descobriu que pagou mais caro "à toa". A Apple já teve problemas sérios com isso... e o Steve Jobs foi demitido. Agora, ele é o rei de novo. Estaria cometendo os mesmos erros? Bom, dessa vez ele veio a público com uma carta explicando a redução de preços do iPod. Ponto pra ele, está ouvindo os clientes. Falta abrir as plataformas da Apple.

Falando em Jobs, recebi um link do Danilo Gontijo (agora na Oracle) de uma palestra famosa que eu ainda não tinha visto: o discurso de formatura de Stanford em 2005 (legendado). Tem cópia no YouTube também, um pouco mais legível só que dividido em duas partes. Grande fala motivacional (aliás, devo passar para minha equipe na CPD na semana que vem).

Fechando os esbarrões, tenho estudado muito sobre contratação de pessoas. Contratar gente boa é difícil, e o processo usual não ajuda. O Seth Godin propõe uma pergunta: afinal o que estamos contratando? O processo normal de entrevista tende a selecionar não o melhor candidato para a sua vaga... mas a pessoa que se dá melhor com o processo. Muita gente boa não vai adiante porque não se veste bem, não sabe escrever um currículo, ou porque simplesmente não acredita em si mesma - o que pode não ter nada a ver com a competência da pessoa. Pior: muitas vezes, a pessoa que cuida da seleção se preocupa mais em fechar o processo (contratar "alguém") do que em contratar a melhor pessoa, ou em fazer uma proposta irrecusável. O comentário do Joel Spolsky sobre contratação vai na mesma linha (nota: esse podcast é longo, mas é bastante interessante).

Semana cheia... agora, é feriado, 7 de setembro, e é hora de descansar. Semana que vem tem mais.

1 de setembro de 2007

Convergência - ou Jobs, Gates, e o mundo móvel

Viajei longe agora.

Estava lendo um post da Bia Kunze que falava, entre outras coisas, sobre convergência - usar um só dispositivo como smartphone e como mp3 player. Ela se mostra surpreendida por ter abandonado aos poucos o seu iPod Nano em favor do seu telefone novo HTC Touch. Para mim é uma surpresa também. Vejamos:

  • Cada dispositivo tem suas próprias exigências ergonômicas. Acho complicado fazer um telefone, uma câmera digital e um MP3 player no mesmo formato. Acho que alguma coisa acaba sacrificada em termos de usabilidade.
  • A bateria é um ponto fundamental, e pelo que a Bia comenta, é o ponto forte do HTC Touch.
  • Finalmente, tem o problema da integração de software, e é aí que a viagem começa.
A viagem começa pouco mais de dez anos atrás, quando surgiu o primeiro "handheld" de verdade, o Palm Pilot. Foi o divisor de águas na indústria de portáteis - era prático, usava pilhas comuns, e tinha um software extremamente simples, que... funcionava. A Apple já tinha tentado entrar nesse mercado antes, com um produto visionário, o Newton, que simplesmente não colou. O produto era caro, grande demais, e tinha um software instável.

A Apple quase quebrou por conta dos fracassos da época, Newton incluído. Uma década depois, o iTunes e o iPod formam a dupla que catapultou a Apple de volta para o topo do mercado. Onde foi que a Apple acertou?

Na integração do software.

(ok, o design é fantástico, mas isso não adianta nada se o produto não for fácil de usar)

Ao tornar simples o processo de gerenciar a biblioteca de músicas, a dupla iPod e iTunes se tornou um sucesso. É a diferença entre copiar arquivos em um pen drive, ou comprar música por $0.99 com um clique e sair ouvindo. Gente normal consegue usar.

O que está acontecendo agora, e qual é a viagem então?

A Microsoft parece que finalmente está chegando lá. A Bia comenta que o a edição móvel do Windows Media Player já é suficiente prática para substituir a dupla da Apple no seu dia a dia. Eu sinceramente achei que isso ia demorar pra acontecer. A vantagem que a turma de Jobs & cia limitada tem nesse novo mercado é fantástica, mas aos poucos, parece que a Microsoft vai reduzindo essa distância.

A Apple sempre se caracterizou por produtos extremamente bem concebidos, altamente integrados - verdadeiros sonhos de consumo. Porém, com exceção do Apple II - que era completamente aberto - todos os seus outros produtos são fechados. Sua estratégia é baseada no controle rigoroso sobre o desenvolvimento do produto, sem abertura para ofertas de terceiros.

Já a Microsoft, apesar de ser uma defensora ferrenha de sistemas proprietários e APIs fechadas, sabe jogar com sistemas abertos quando isso lhe convém. Sua estratégia de licenciamento é mais flexível. Essa forma de jogar foi determinante para que ela alcançasse a posição invejável que tem hoje. Se ela igualar a Apple no terreno onde esta é mais forte, acredito que seja questão de tempo para que a Microsoft tome o mercado.

Vem daí minha viagem de hoje. Já imaginaram o que aconteceria se a Apple tivesse como sócio o Sr. Bill Gates? Imaginem se ela pudesse aliar sua fantástica capacidade de desenvolvimento, sua visão de integração, com um pouco mais de pragmatismo e uma visão mais ampla do mercado. Onde essa combinação iria nos levar?