17 de dezembro de 2004

Notas sobre peer-to-peer, propriedade intelectual, e a liberdade de comunicação na Internet

O professor Edward Felten é uma dessas figuras pouco conhecidas do grande público, mas que vem desempenhando um papel fundamental no estudo sério do impacto da Internet sobre aquilo que conhecemos hoje como propriedade intelectual. O conceito de propriedade intelectual, através dos mecanismos de copyright e patentes, surgiu como uma forma de dar garantias aos autores de novas idéias, protegendo-as contra abusos, de forma a encorajar a publicação de novas invenções. O debate sério hoje centra-se não sobre a questão da propriedade intelectual em si -- cujo valor é notório -- mas dos abusos que atual sistema legal incorporou ao longo dos anos para defender os interesses políticos e econômicos de poucos. Estas restrições ameaçam hoje a própria liberdade de comunicação, além de terem efeito negativo sobre a economia, pois elas se tornaram barreiras à inovação, ao invés de encorajá-la.

Um dos alvos preferidos das associações de empresas de entretenimento, particularmente a MPPA (que reúne os estúdios de Hollywood) e a RIAA (que reúne os selos de música) são as redes de comunicação peer-to-peer. Desde o surgimento do Napster, e com a disponibilidade de banda larga em abundâncias, estas associações tem lutado uma guerra sem tréguas contra as redes de pirataria. O problema é que, ao ver seu próprio modelo de negóciosendo tornado obsoleto pelas novas possibilidades técnicas, elas apontam suas armas muito mais embaixo: a solução é restringir o direito de comunicação, impondo barreiras técnicas e legais ao que pode ser feito na Internet.

No caso das aplicações de transferência de arquivo peer-to-peer, o problema é que elas não apenas mecanismos de pirataria, como querem alguns, mas simples ferramentas de cópia genéricas, muito úteis para outras aplicações como distribuição legal de programas, distribuição de cópias de segurança de arquivos, e até mesmo a distribuição de filmes e músicas de domínio público. O problema é que não há nada que possa ser embutido em um sistema dessa natureza que permita diferenciar, do ponto de vista estritamente técnico, o que é um conteúdo legal ou não. São todos eles apenas sequências arbitrárias de bits e bytes, totalmente transparentes em seu conteúdo ou intenção para o meio de transporte.

Recentemente, uma aplicação popular -- o BitTorrent -- tornou-se o alvo da MPAA, que está processando os sites que armazenam os indicadores de conteúdo. Note bem: o indicador de conteúdo não é um arquivo que possa ser protegido por copyright, é apenas um ponteiro para um local da rede onde alguém colocou aquele conteudo à disposição. A base legal para processar o servidor de trackers é bastante limitada. Mas mesmo assim, a MPAA vai tentar, com seu arsenal jurídico, fechar estes sites.

É neste ponto em que retornamos ao professor Felten. Recentemente, ele publicou um pequeno programa de exmple: uma aplicação completa, cliente e servidor P2P em menos de 15 linhas em Python. O código foi rapidamente publicado via Slashdot, onde disparou repercussões técnicas interessantes. Uma versão com apenas 9 linhas em Perl foi publicada a seguir, e uma outra, ainda menor, de apenas 6 linhas em Ruby, também foi postada.

O argumento do Prof. Felten é que uma aplicação tão fácil de implementar quanto estas não pode ser razoavelmente proibida. A verdade é que a tecnologia deu um salto que invalida o modelo de negócio de todo um setor empresarial. O telégrafo foi substituído pelo telefone, e o telex pela Internet. Empresas que se apoiavam na tecnologia antiga fecharam, enquanto outras surgiram para ocupar o espaço. Da mesma forma, oos grandes estúdios precisam rever seu próprio modelo de negócio. A possibilidade de produzir e distribuir conteúdo de qualidade a baixo custo possibilita o surgimento de um novo modelo de negócios. Estúdios menores podem produzir uma nova banda por um custo muito inferior, e operar em uma escala menor.

Um efeito colateral interessante deste processo é a possibilidade de reduzir o impacto da massificação e do monopólio cultural. No segmento musical, este fenômeno já é possivel. No entanto, do ponto de vista técnico, a indústria do cinema tem muito mais a perder, pois o volume de investimentos necessários -- tanto em termos financeiros como humanos -- para produzir um filme de boa qualidade é muito superior àquela que pode ser obtida pela dedicação de uma banda de rock. Assim, enquanto no cenário musical a fragmentação é possível, e até interessante, no caso do cinema há um desafio muito maior para ser superado. No entanto, nada disso justifica a guerra aberta contra as aplicações peer-to-peer, e nada justifica cercear o direito de comunicação através da Internet.

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