28 de julho de 2004

Google x Microsoft

De um tempo para cá, a mídia (incluindo a não especializada) começou a noticiar os primeiros movimentos de um possível embate próximo entre a Microsoft e o Google. As duas empresas não poderiam ser mais diferentes. A Microsoft vai aos extremos para defender sua posição, e mesmo que o público em geral não reconheça (ou discorde), sempre soube agradar a quem realmente paga as suas contas. Para isso, ela joga pesado dentro das regras do jogo capitalista - mesmo que isso inclua agir de uma maneira quem, para ficar barato, beira o anti-ético.

Já o Google tem um lema interessante: 'Don't be evil'. A empresa começou como outras tantas 'startups', mas evitou o atropelo e soube esperar a hora certa para abrir o capital. Agora, ela não apenas mais uma 'dotcom' querendo dinheiro fácil; é uma empresa estruturada, que segue modelos de negócio pouco usuais, e que se estabeleceu como dominante em um serviço que é cada vez mais importante - diria essencial - para o funcionamento da Internet.

Recentemente, o Google começou a expandir sua atuação. Eles estão se estruturando para ser mais do que uma empresa de busca; eles já entenderam que o filé do mercado estará no gerenciamento de informação, seja ela pessoal ou empresarial. Por isso, os movimentos para adquirir empresas de 'blogging' e o lançamento do serviço de email são pontos fundamentais da estratégia.

A abordagem das empresas também é bem diferente. A Microsoft acredita no 'fat client' - um computador pessoal de grande poder de processamento, para realizar localmente o trabalho pesado. O Google vem apostando em uma estratégia de 'thin client' - onde o micro não precisa de tantos recursos, e a maior parte do processamento é feita no servidor. Obviamente, qualquer tentativa de classificar as coisas em dois grupos como estes é uma simplificação grosseira. Existem aplicações que se prestam melhor ao modelo da Microsoft; o processamento de imagens ou de animações em 3D, por exemplo. Outras aplicações são melhor atendidas por um cliente leve, como um browser.

Mesmo assim, tenho minhas próprias dúvidas sobre qual abordagem funcionará melhor a longo prazo. A aposta do Google é muito simpática, e conta com uma vantagem rara: a Microsoft foi pega de surpresa, coisa que poucos até hoje conseguiram fazer. A Netscape foi uma que conseguiu a vantagem inicial, mas não conseguiu sustentá-la, e foi varrida do mercado. Isto indica que, pelo menos nos primeiros rounds, o Google deve também sustentar a sua vantagem. Porém, para que esta vantagem possa ser capitalizada no médio e longo prazo, precisa também agir de uma forma prática, pragmática, copiando - se preciso for - algumas páginas do livro da Microsoft. Acredito que ela pode fazer isso, mantendo ainda seu lema intacto.

O ponto chave para esta batalha, como já ocorreu em outras, é a capacidade da Microsoft em se apoderar das inovações do concorrente, incorporá-las, e mudar a direção da empresa, sem que para isso tenha que assumir a feição de 'derrotada'. A Microsoft não tem pudor em copiar as inovações, se elas ajudam a empresa a melhorar sua competitividade. Porém, ela faz isso mantendo a feição de líder. Por outro lado, seus concorrentes (como a Apple, e mais recentemente, a Sun) se deixaram prender demasiadamente às suas próprias propostas, engessando a sua própria evolução. Afinal, o futuro não é preto-e-branco, é colorido, e isso a Microsoft sabe usar como ninguém, misturando suas cores às de seus oponentes de forma perfeita.

O que isto tudo significa para o Google? Acredito que a médio prazo, a estratégia de 'thin client' vá começar a mostrar seus limites. Uma das coisas que podem disparar este fenômeno é o crescimento das plataformas de gerenciamento de conhecimento, cujo bom funcionamento depende do contexto da informação. A informação que define o contexto é tipicamente local; em um ambiente de 'thin clients', ela precisa ficar armazenada em servidores, como o do Google. Não sei se as pessoas vão se sentir confortáveis com isso, quando perceberem o que está acontecendo. O importante aqui é perceber que não adianta ter uma boa estratégia, é preciso saber conduzí-la com cuidado, pragmatismo, e sem apego demasiado aos próprios planos. Se o oponente pode nos ensinar algo, que nós aprendamos com ele.

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