24 de agosto de 2004

O futuro do email

De um tempo para cá, um debate sobre o email vem ganhando espaço junto a alguns importantes formadores de opinião sobre a Internet. Empresas como a Microsoft vem colocando algum peso em propostas de modificações nos protocolos de email, com extensões proprietárias que incorporam idéias de identificação digital ligadas ao Passport. Até aí, entende-se que a idéia seja puramente comercial. Mas quando se vê pessoas influentes como a Esther Dyson - uma das pioneiras no estudo sobre a influência da Internet - conversando sobre o assunto, fica claro que há algo mais em jogo.

O grande sucesso do email é a sua relativa simplicidade. O email é um mecanismo de atrito praticamente nulo. Por isso, enviar emails é um processo extremamente conveniente - tão fácil quanto ligar um telefone- mas os custos associados são muito mais baixos. A parte econômica, aliada ao potencial de automação, fizeram com que o email se tornasse o alvo predileto dos spammers. O spam é hoje o grande problema do email como ferramenta de produtividade profissional. Além disso, o email carrega consigo um outro problema de nascença: o email é uma ferramenta de comunicação privativa. Toda vez que o email é usado para comunicação em grupo, surgem problemas de escala. No ambiente pessoal, as pessoas podem se dar ao luxo de descartar mensagens dos grupos sem ler; o mesmo não pode acontecer dentro do trabalho, causando acúmulo nas caixas postais dos leitores mais vorazes. A inadequação do email como ferramenta de comunicação comunitária ou pública é uma de suas falhas básicas, somente minimizada pelas excelentes interfaces Web de administração e pesquisa de listas como o Google Groups.

No caso do spam, todas as idéias para eliminar ou minimizar o problema podem ser reduzidas à introdução de "atrito". Os mecanismos podem ser econômicos, como a taxa de envio de email; regulatórios, como a necessidade de registrar endereços válidos e rastreáveis; ou técnicos, como a introdução de protocolos mais sofisticados de autenticação de mensagens. A adoção de qualquer um destes mecanismos implica em uma mudança nos sistemas existentes, que exige consenso entre as inúmeras partes envolvidas. Com interesses econômicos tão grandes, não é de se estranhar que este consenso seja tão difícil. Por esta razão, acredito que a solução não virá de nenhum destes caminhos, mas de alguma solução inovadora oriunda de outra tecnologia.

Há hoje outras ferramentas interessantes que podem ajudar a entender e resolver o problema. Nenhuma delas é uma solução completa, mas todas oferecem abordagem diferente, e são alternativas viáveis para alguns aspectos do mesmo.

  • Os pioneiros no ramo são as ferramentas de IM (Instant Messaging). Elas já passara inúmeras vezes por ondas de spam, e vão sobrevivendo apesar disso. Ironicamente, o fato de todos os principais players operarem com plataformas fechadas tornou-se uma vantagem, pois permitiu que cada uma reagisse individualmente aos desafios de escala, implementando melhorias e mecanismos de proteção. É possível que um protocolo aberto tivesse se mostrado menos eficaz neste caso, por forçar uma busca precipitada de consenso via comitê; a competição pelo mercado se mostrou mais eficaz. Talvez hoje, ou em um futuro próximo, seja finalmente possível desenhar um protocolo aberto que possa incorporar todos os desenvolvimentos recentes.

  • Os blogs já se estabeleceram como a forma padrão de publicação pessoal na Internet. Além da conveniência, eles organizam a informação de uma forma muito mais intuitiva para as pessoas - cronologicamente, e não por 'pastas' ou 'folders' (fora o Greenpeace, somente analistas de sistema pensam em termos de árvores). Além disso, em muitos casos os blogs comunitários superaram as listas de discussão. Novamente, as razões não são somente técnicas - é fato conhecido que comunidades muito grandes se fragmentam, e que há um tamanho ótimo para os grupos humanos (conforme explicado pelo Número de Dunbar). Blogs tornam este processo mais conveniente, e a conveniência é a chave de tudo.

  • O uso do RSS permite aos blogs se transforma em algo que lembra fortemente a Usenet em seus tempos áureos - só que muito mais imune a spam. Protocolos adicionais, como o Atom ou as APIs existentes, aproximam ainda mais este conceito.

  • As redes sociais são a 'bola da vez'. As implementações atuais ainda ficam muito aquém da qualidade necessária para uma aplicações comerciais. Porém, eles estão lidando pela primeira vez na prática, e em grande escala, com conceitos que já vem sendo estudados teoricamente há muito tempo. A delegação de confiança em sistemas de criptografia de chaves públicas é uma das inúmeras aplicações potenciais destes mecanismos. Outras aplicações semelhantes são possíveis.
Acredito que uma nova plataforma de convergência de comunicação digital está prestes a aparecer, complementando e superando o email como ferramenta preferida. Um ambiente que combine a conveniência, a facilidade de publicação e a organização de um blog, com as trocas de mensagens dentro de uma rede de relacionamentos, usando protocolos seguros e confiáveis. Um sistema que acomode naturalmente tanto a publicação aberta de informações como a comunicação privativa, dentro do mesmo framework. É ainda uma idéia embrionária, mas que certamente virá a nascer em breve.

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